Vasco Debritto

Vasco Debritto:

Um Brasileiro

na Terra do Sol Nascente

Egídio Leitão

 

 

Paulista de nascimento, Vasco Debritto é um dos artistas brasileiros agora radicado em Tóquio, Japão, onde mantém uma agenda bem movimentada. Vasco começou suas atividades musicais muito cedo, mas foi em 1978 que fez sua primeira apresentação como compositor e cantor no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Depois de fazer o circuito universitário e programas de televisão, Vasco lançou seu primeiro álbum, Um Dia a Coisa Muda, em 1981. E as coisa mudaram mesmo -- para melhor, claro. Dentre os convidados para este trabalho, destacam-se Maurício Maestro, Jaime Alem, Alberto Rosenblit e outros. Daí pra frente a carreira artística não parou mais, incluindo presentações com Antonio Adolfo, Maurício Tapajós, Boca Livre, Paulinho Nogueira e outros nomes da música brasileira. Em 1984, fez sua primeira viagem ao Japão, onde permaneceu por seis meses. Esta visita ao Japão foi apenas o começo de um longo namoro que se tornaria mais permanente num futuro próximo. Após diversos shows em casas especializadas na música brasileira no Japão, Vasco fez também turnê pela Europa. Durante os anos de 1991 a 1993, Vasco monta residência na França, mas logo em seguida retorna a Tóquio. Mais apresentações no Blues Alley Japan, Sabbath Tokyo, Key Note e outras casas de show levaram ao eventual lançamento do CD Visions em 1999. O álbum foi bem recebido pela crítica e público japonês e foi indicado para o Disco de Ouro da Música Brasileira no Japão no mesmo ano em que nomes como Caetano Veloso e Milton Nascimento também haviam sido indicados. Em 2001, Vasco retorna aos estúdios para fazer o seu novo trabalho Praia dos Corais. O álbum traz uma carga de grandes nomes do mundo artístico do jazz brasileiro e mundial, dentre estes Ron Carter, Romero Lubambo, Marcelo Mariano, Robertinho Silva e outros mais. Após o lançamento no Japão e Alemanha, Praia dos Corais foi lançado no Brasil em dezembro de 2002 com várias apresentações. Em meio a todo esta atividade e entre Tóquio e Rio, Vasco tirou alguns minutos para um bate-papo cibernético onde ele fala da sua arte.

 


 

Vasco Ron Romero

EL: Como foi a saída do Brasil?

VD: Bem, estou a mais de dez anos fora do Brasil. Na realidade esse tempo foi dividido em duas fases. A primeira vai de 1984 até 1990, quando vim ao Japão pela primeira vez, durante esse período eu ficava seis meses no Japão, seis meses no Brasil; isso porque só nos eram dados seis meses de permissão de trabalho e para o retorno deveríamos aguardar seis meses no país de origem, coisas das burocracias. A segunda fase foi de 1993 até agora, quando consegui permissão para poder ficar no país.

EL: E por que a escolha do Japão?

VD: Eu diria que não foi uma coisa pensada, voluntária. Um amigo músico tinha vindo trabalhar aqui e quando eu o reencontrei ele me orientou para que levasse meu material ao Consulado do Japão pois havia a possibilidade desse intercâmbio. Ele me disse que o meu estilo de fazer música se encaixava perfeitamente no Japão e, somando-se o fato de que a barra tava ficando pesada pra quem fazia MPB no Brasil, resolvi encarar essa aventura e estou aqui até hoje.

EL: Como é fazer música brasileira no Japão? O público exige muito?

VD: Como lhe disse, no começo eu ficava seis meses por aqui, trabalhando na noite, em casas de música brasileira, restaurante mesmo, tocando bossa nova; o violão e o banquinho, e entre uma "Garota de Ipanema" e outra eu ia mostrando a minha música. O público japonês parece ter muita curiosidade sobre nossa cultura e dão muito valor ao que é nosso. Sem dúvida alguns deles tem muito interesse e conhecimento sobre a nossa cultura. Existe uma relação muito forte entre Brasil e Japão; você sabe, né, aquele negócio da imigração para o Brasil no começo do século passado. Minha primeira parada no Japão foi na cidade de Kobe, justamente de onde partiu a maioria dos japoneses com destino ao Brasil. Kobe é uma cidade portuária e cidade irmã do Rio de Janeiro.

 

 

EL: Quais artistas brasileiros você diria terem marcado sua formação artística?

VD: Olha, eu ouvi muita música brasileira durante quase toda minha infância. Minha avó tinha uma sala de música na casa dela onde eu passava muitas tardes inventando programas de rádio entrevistas com artistas e outras coisas mais; gravava tudo num gravador de rolo italiano da marca Gellozzo.

Vasco on hammock

Os mais marcantes foram Dorival Caymmi, a música de Noel Rosa,o violão de Paulinho Nogueira e Canhoto e Baden Powell, aquele negócio todo de Dois na Bossa, os Festivais da Record, Jobim e Chico Buarque. Sem esquecer da poesia de Drummond, Bandeira e do "poetinha" Vinícius. A lista é tão longa quão rica é a nossa música. Peço perdão aos que não foram citados nominalmente, mas eles ocupam também um pedaço enorme do meu coração.

EL: E projetos futuros, o que podemos esperar?

VD: Estou trabalhando paralelamente em dois novos projetos.Um deles surgiu de alguns encontros com produtores japoneses, onde eles demonstram intenção de produzir um álbum com interpretação e arranjos meus sobre músicas pouco conhecidas de compositores muito conhecidos, um trabalho de garimpo que está me entusiasmando muito, embora ainda nem mesmo esteja aprovado o orçamento. O outro projeto é meu novo álbum, só com originais; este com orçamento já aprovado, para lançamento na metade de 2003. Estou terminando as novas músicas assim como elaborando os arranjos onde quero explorar um pouco mais a versatilidade e agilidades da música brasileira. Não saberia dizer o que se pode esperar exatamente, pois as idéias vão surgindo e às vezes muda-se toda a concepção dentro do estúdio.

 


 

 

Vasco Debritto
Visions
Koala Records KL-0002 (1999)
Tempo: 35'20"

Visions
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Estrelas, ar, azul, mar, amor -- assim começa o caleidoscópio de Vasco Debritto em Visions. Num gesto corajoso, Vasco abre este CD com um tema denso e instrumentação forte por meio de sintetizadores. Embora um pouco dissonante do resto acústico do CD, os sintetizadores de uma certa forma se encaixam no tema da faixa inicial que dá título a este trabalho. O impacto inicial se transforma então em uma balada onde o piano de Paulo Cesar Gomes junto com o sax soprano de Andy Wulf atenuam a instrumentação da introdução. A partir daí, temos então a chance de ouvir e sentir um outro Vasco Debritto. Com forte sabor caribenho, "Águas" mostra seu lado mais leve. O ritmo delicioso e os metais no arranjo Peter Saint Ledger são a chave que embelezam a letra de Vasco. É aqui que vemos a princípio o lado da natureza que se mostrará mais pronunciadamente em outras canções. As letras de Vasco mexem com sentimentos e os unem à natureza. Dores e ressentimentos são lavados e levados rio abaixo e toda tristeza se esvai, diz a letra de "Águas". Na próxima faixa, a belíssima valsa "A Bailarina," o ouvinte penetra num mundo de fantasia onde anjos e crianças dançam alegres. Este arranjo de Peter Saint Ledger é um dos momentos mais bonitos em Visions. A dosagem entre cordas e flauta é de uma sonoridade leve e estonteante. O palco da bailarina se torna vivo. Com "Já Passa da Hora", a introdução fatalmente o levará a traçar paralelos entre Vasco Debritto e Tom Jobim. A semelhança é marcante sem cair no banal. A faixa é na verdade uma homenagem às grandes canções de Tom. A letra faz menções a "Amor em Paz", "Brigas, Nunca Mais" e diretamente nos leva até "Estrada do Sol":

Aquelas bobagens,
As brigas de amor
Me dê sua mão,
Me faz um favor
Escuta a canção que fala
Da estrada do sol.

Voz, arranjo e harmonias se unem num tema de paixão a ser readquirida. Vasco aqui se desdobra mais ainda. Além do compositor e cantor, ele é também responsável por um solo de violão nesta faixa. Esta presença do violão será mais pronunciada no resto do CD. A seguir, temos a homenagem ao Rio de Janeiro. As palavras ecoam os sentimentos de alguém que está muito longe da Cidade Maravilhosa. Além da beleza natural, o compositor sente falta do mar, dos espaços abertos, da ginga carioca e, claro, da morena de corpo dourado. Uma bossa muito saborosa, ""Rio de Janeiros" é dessas canções que enaltecem as belezas cariocas. Com "Pressentimento", o ritmo vivo de samba procura esconder a tristeza que um amor acabado nos traz. Pra não perder a alegria, a saída é sambar e cair "nas asas da imaginação". Se a pureza da valsa "A Bailarina" foi surpreendente, ela foi apenas o prenúncio para "Longe Daqui". Pense nesta canção como a irmã gêmea de "Lígia", de Tom Jobim. A música cresce a partir de um arranjo simples de piano, baixo e bateria. Belíssimo! Paulo Cesar Gomes é o mestre no teclado desta vez, Kase Toro comove com seu baixo e Dennis Bradford dá o toque certo na bateria. Aos poucos, os violinos trazem aquela melancolia e sensualidade a esta composição. Há um certo ar de tristeza no aspecto quixotesco destes versos que misturam felicidade com fantasia:

Me faz viajar
Mais longe que eu podia sonhar
Por onde eu nem ousava pisar
Além dos caminhos, além dos moinhos.

Para encerrar este trabalho, Peter Saint Ledger (piano) fecha com o solo instrumental "Somewhere in Tokyo". Antes disso, entretanto, Vasco traz mais um samba com "Meu Papel" seguido do grande dueto tranquilo com Romero Lubambo em "Do Amor", onde o amor assume o papel principal mais uma vez.

Faixas (todas as composições de Vasco Debritto):
 
    1. Visions
    2. Águas
    3. A Bailarina
    4. Já Passa da Hora
    5. Rio de Janeiros
    6. Pressentimento
    7. Longe Daqui
    8. Meu Papel
    9. Do Amor
    10. Somewhere in Tokyo

     

 

Vasco Debritto
Praia dos Corais
Polystar PJL MTCW-1007 (2001)
Tempo: 37'44"

Praia dos Corais
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O mais recente lançamento de Vasco Debritto, Praia dos Corais, trata-se de uma produção esmerada do princípio ao fim. A produção gráfica mantém a mesma qualidade de Visions, e os arranjos aqui ainda são melhores e mais refinados. Ao se olhar a contra-capa do encarte, tem-se imediatamente uma visão geral deste bonito CD. O trabalho é dedicado, além da esposa de Vasco, a quatro dos mais expressivos e representativos nomes da música brasileira: Noel Rosa, Dorival Caymmi, Chico Buarque e Antonio Carlos Jobim. A menção e homenagem a estes nomes tem ainda o apoio de um grupo de artistas que colaboram com Vasco em Praia dos Corais. Dos diversos nomes, vale a pena citar Romero Lubambo, Nilson Matta, Maurício Maestro, Marcelo Mariano, Ron Carter, Paulo Braga e Robertinho Silva. Vasco Debritto escreveu e arranjou todas as faixas do CD, exceto pelo belíssimo arranjo vocal de "Pindorama", que ficou a cargo de Maurício Maestro.

A escolha de "Pindorama" para abrir Praia dos Corais não poderia ter sido melhor. As harmonias vocais de Leticia Carvalho, Sanny Alves e Solange trazem uma paz e tranquilidades que de imediato acatam o ouvinte. A leveza do arranjo em toada é como uma brisa preguiçosa à beira-mar. Aqui Vasco fala do "cochicho do mar" e uma floresta tropical recheada de iguarias que vão de frutas a minerais sob um céu "azul, cristalino". A próxima faixa, "Por um Fio", é um forrozinho delicioso com a flauta saltitante de Roberto Stepheson salpicando o arranjo da canção. Na letra, a confirmação brincalhona que muitos brasileiros já conhecem:

A certeza que Deus é um cara bem brasileiro,
Que nasceu em Belém, o Belém lá do norte, Belém do Pará.

A seguir, Vasco relaxa e entra num samba lento em "Just Look at Me". Este samba é o prelúdio ao bolero "Navegante". Mais uma vez Vasco retorna ao mar e ao porto seguro que permeia várias de suas composições. Aqui o seu amor é um navio a vagar sem as amarras. Apenas com o trio de Romero Lubambo (violão), Ron Carter (baixo) e Paulo Braga (percussão), "Navegante" é um dos melhores momentos deste CD. A voz de Vasco tem um certo quê de sofrimento no enunciamento dos versos desta canção. Para levantar o espírito, "Sapateou" é o próximo número. Rico em metais e com bastante suíngue, este samba mexe com o corpo todo. Numa virada de mestre, entramos então em um samba mais lento com "Fiz um Samba" muito cheio de bossa e tranquilidade. Com dois terços do Trio da Paz -- Romero Lubambo (violão) e Nilson Matta (baixo) --.a percussão e bateria de Paulo Braga completam a instrumentação. O malandro da canção tenta de tudo para fazer a amada compreender quão grande é sua paixão, mas tudo é em vão. No fim, é uma grande canção, arranjo e interpretação!

Uma das qualidades da música de Vasco Debritto fica na sua versatilidade. Ele compõe, toada, samba e bolero e ainda se sente à vontade em um blues. Este é o caso do dueto "Invenção", com a voz de Leticia Carvalho conversando com Vasco sobre os sonhos (as invenções da canção) de ser feliz. É um mundo utópico, sem perigos, sem mendigos, sem medos. Tudo isto serve de prólogo para o grande final deste trabalho, a faixa que dá título ao CD, "Praia dos Corais". Esta canção se presta para um final de grande escala. O berimbau de Robertinho Silva, os vocais de Leticia Carvalho, Sanny Alves e Solange e a orquestração arranjada pelo próprio Vasco dão um toque jobiniano impressionante. A letra fala do mar, dos peixes, da brisa e corais. A manhã rompe e a vida nasce. O círculo que se iniciou com "Pindorama" aqui se completa.

Faixas (todas as composições de Vasco Debritto):
 
    1. Pindorama
    2. Por um Fio
    3. Just Look at Me
    4. Navegante
    5. Sapateou
    6. Fiz um Samba
    7. Invenção
    8. Já Passa das Duas
    9. Ligando para o Bar
    10. Praia dos Corais (Prologue)
    11. Praia dos Corais

     

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